57ª SESSÃO SOLENE DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA IX LEGISLATURA.
Em 4 de
dezembro de 1986.
Presidida pela Srª Gladis Mantelli – 1ª Vice-Presidente e pelo Sr.
Isaac Ainhorn - 1º Secretário.
Secretariada pelo Sr. Isaac Ainhorn - 1º Secretário.
Às 16h35min, a Sra. Gladis Mantelli assume a Presidência.
A SRA. PRESIDENTE: Havendo número legal,
declaro abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada à homenagem
póstuma ao ex-Presidente João Goulart, cujo décimo ano de sua morte ocorrerá a
6 de dezembro de corrente ano.
Solicito aos Srs. Líderes de Bancada que conduzam ao Plenário as
autoridades e personalidades convidadas. (Pausa.)
Convido a tomarem assento à Mesa: Deputado Estadual João Vicente
Goulart; Sr. Glênio Peres - Vice-Prefeito de Porto Alegre, representando, neste
ato, o Sr. Prefeito Municipal, Dr. Alceu Collares; Dr. Sereno Chaise -
Presidente Regional do PDT; Sra. Mila Cauduro - Secretária Geral do PDT, e o
Ver. Isaac Ainhorn – 1º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre.
Falarão, pelas Bancadas do PDT, PSB, PFL e pelo Vereador independente
Jorge Goularte e como proponente da Sessão, o Ver. Isaac Ainhorn; pela Bancada
do PMDB, o Ver. Clóvis Brum, e pela Bancada do PCB, o Ver. Lauro Hagemann.
Com a palavra, o Ver. Isaac Ainhorn.
O SR. ISAAC AINHORN: Sr. Presidente, Srs.
Vereadores, meu senhores e minhas senhoras: a homenagem que hoje esta Casa
presta é extremamente significativa para tantos quantos conheceram a
extraordinária figura do Presidente João Goulart. A 6 de dezembro de 1976
morria na vizinha República Argentina, na Cidade de Mercedes, exilado de seu
País, o último Presidente eleito pelo voto direto. Passados dez anos de sua
morte, cada vez mais presente encontra-se a figura deste homem público que a
História, ao passar do tempo, encarregou-se de reabilitar, e a historiografia
de promover uma ampla revisão crítica do papel que desempenhou na vida política
do País após a redemocratização em 1946, quando veio a se eleger deputado
estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro, até a sua morte no exílio em
1976.
Nunca, em nenhum governo de nossa tumultuada vida republicana,
respirou-se tanto um clima de liberdade e democracia quanto no governo
trabalhista de João Goulart, que soube governar e dirigir o Estado em meio a
crises e desestabilizações artificiais de seu governo, urdidas pelas forças
mais conservadoras e retrógradas, sempre sob a coordenação de organismos
internacionais desestabilizadores de governos na América Latina.
Coincide o décimo ano da morte do Presidente João Goulart com o 25º
aniversário do movimento da Legalidade. Naquela época, quando assumiu a
Presidência, após a decisiva ação patriótica e corajosa do Governo Leonel
Brizola, para que a Constituição não fosse violada e mesmo assumindo a
Presidência sob um improvisado regime parlamentar, este acabou sendo repudiado
pela vontade popular, manifestada em histórico plebiscito, quando, pela vontade
das urnas, a devolução dos poderes constitucionais pelos quais foi eleito foi
consagrada.
É hoje a Cidade de Porto Alegre, por sua Câmara de Vereadores, que
presta homenagem póstuma pelo 10º ano de falecimento do Presidente João
Goulart, a mesma Porto Alegre que se levantou em armas há um quarto de século
atrás para assegurar a posse do Jango na Presidência da República.
Seu governo foi marcado por profundas transformações sociais e
econômicas, todas alicerçadas na identificação com os interesses nacionais e
dos trabalhadores.
Ninguém mais do que João Goulart foi sensível aos reclamos e anseios de
um povo que pretendia implantar um regime de paz e justiça social em nossa
Pátria. Ao lado do alto sentido democrático de seu governo, em que todas as
forças sociais livremente puderam se expressar, e da grave crise que o País
atravessava, o governo do Presidente João Goulart pôde promover inúmeras
medidas, quer no campo social e econômico, que até permanecem como de maior
atualidade. Foi o governo de João Goulart que estabeleceu leis que
disciplinavam o controle e limitação da remessa de lucros para o Exterior. Foi
também no seu governo que se encamparam as refinarias pertencentes ao capital
privado e entregue à Petrobrás o monopólio para importação do petróleo. Também
a Eletrobras seria estruturada e implantada no seu governo. E também cabe aqui
ressaltar a sua política externa independente, que conferiu ao Brasil o
respeito e admiração de outras nações, cabendo a este rio-grandense, para
admiração e orgulho de todos nós, o início das negociações para estabelecimento
de relações diplomáticas com a República Popular da China, precedendo em duas
décadas aquilo que seria o mais significativo lance do governo norte-americano,
quando restabeleceu relações diplomáticas com o governo comunista da China
Continental.
No entanto, este homem, que passados 10 anos a História o reabilita
para a posteridade, não teve a sorte e a ventura de retornar a sua Pátria vivo
para continuar a sua luta, da qual em momento algum jamais abdicou, por seus
ideais. Preferiu o longo e penoso exílio, do qual não voltaria com vida. Jango,
na forma carinhosa como o povo lhe chamava, tinha uma vocação inata para a
política. Sua rara intuição e sensibilidade política o guindou jovem ainda para
as posições mais significativas da República brasileira, sendo Ministro de
Estado aos 35 anos e assumindo a Suprema Magistratura da Nação aos 43 anos de
idade, sendo sua vida pública de coerência e, ainda que se possa dizer que
tenha sido um homem de conciliação e diálogo, em momento algum transigiu e
abriu mão de seus princípios e da lealdade com seus amigos e companheiros. Com todos
falava, e a todos tinha sempre uma palavra de carinho e afeto, após ouvir todos
com muita atenção. Essa era, sobretudo, uma de suas grandes virtudes, presente
em toda a sua vida pública e extremamente rara nos políticos atuais.
Entre os aspectos que marcaram a personalidade de João Goulart, a
coerência e a fidelidade ao compromisso assumido com os trabalhadores sempre se
constituíram como características bastante evidentes. Mas essa coerência, que
identifica os homens de princípios, infelizmente nem sempre é reconhecida como
uma qualidade.
A coerência foi o grande defeito de Jango. Getúlio Vargas, por exemplo,
muitas vezes precisou transigir, para não se desviar de sua missão histórica.
Entre recuos e avanços estratégicos, o habilidoso Vargas pôde consolidar as
leis trabalhistas, imprimir uma política econômica tão nacionalista quanto lhe
foi possível e eliminar, progressivamente, os entraves que impediam a
emancipação do povo brasileiro.
Aos poucos, até mesmo os mais cépticos intérpretes da nossa História
começam a fazer justiça ao Presidente João Goulart, reconhecendo finalmente no
período que dirigiu os destinos desta Nação o momento mais democrático de toda
a vida nacional. O tempo de Jango foi uma época de definições, da tomada de
consciência política, da descoberta dos verdadeiros valores democráticos. O
povo brasileiro, em todas as partes, começava a organizar-se politicamente para
tornar efetiva sua participação na defesa da soberania nacional.
Falamos desse terrível defeito
de João Goulart: a coerência. Uma coerência que sempre esteve presente em todas
as suas atitudes, desde o discurso de posse no Ministério do Trabalho, em 1953,
até o derradeiro telefonema de Amauri Kruel, naquela melancólica madrugada de
tantas traições, em 31 de março de 1964, ocasião em que Jango respondeu ao
general que preferia perder o cargo a trair seus amigos. Em junho de 1953,
Getúlio Vargas, ao perceber que os políticos começavam a abandoná-lo, decidiu
renovar seu Ministério, colocando, nele, pessoas de sua inteira confiança. Foi
quando chamou João Goulart e Tancredo Neves para as pastas do Trabalho e da
Justiça. Jango, um moço de apenas 35 anos, ao tomar posse como Ministro,
assumiu um compromisso de honra com os trabalhadores brasileiros, compromisso
que, por sinal, jamais seria negado. Enquanto fosse Ministro, “o Ministério do
Trabalho seria uma trincheira dos trabalhadores”. Jango conclamava os
trabalhadores a permanecerem unidos, pois só assim conquistariam suas
reivindicações. Mas a união dos trabalhadores sempre fora um pesadelo para as
classes dominantes, acostumadas a buscar seus lucros na miséria dos
assalariados.
Naqueles dias, o “New York Times”, representando os sagrados interesses
do capitalismo internacional, alertava seus parceiros no Brasil para o fato de
um Ministro do Trabalho do Governo Vargas estar usando sua influência para
conduzir o Movimento Trabalhista Brasileiro na direção do sindicalismo
latino-americano, o que, segundo eles, representava uma traição ao País e aos
próprios trabalhadores. As pressões internas e externas, no entanto, não
abalariam Goulart. Ele continuava convencido de que os sindicatos eram os
únicos instrumentos de representação e de defesa dos interesses profissionais e
econômicos das diferentes categorias, tanto de empregados, como de
empregadores.
Durante oito meses, diariamente, os grandes jornais do País,
comprometidos, pela publicidade, aos interesses multinacionais, não fizeram
outra coisa senão acusar e agredir João Goulart. Os ataques ao Ministro do
Trabalho de Getúlio Vargas cresceram quando ele sugeriu a elevação do salário
mínimo em 100%. A campanha contra Jango culminou com um memorial, assinado por
81 coronéis, exorcizando o comunismo do leste e condenando a elevação do
salário dos trabalhadores sob a alegação de que subverteria os valores
profissionais “equiparando um operário aos oficiais graduados”.
Jango renunciou, para não dar mais motivos aos inimigos de Vargas. Mas
contra a injustiça da revisão do salário se desencadearam os ódios. Acossado e
pressionado pelos inimigos, Vargas viu a maioria dos amigos fraquejarem, mas a
seu lado, até o momento final, estava Jango presente.
Na mesma ocasião, na trágica madrugada de 24 de agosto, antes de morrer
entregou a Jango a sua Carta Testamento. Getúlio Vargas, naquele momento,
estava entregando uma bandeira ao amigo das últimas horas. E, por certo, sabia
muito bem o que estava fazendo. Os trabalhadores estavam perdendo um chefe, mas
ganhavam um líder. Já como Presidente da República, nas comemorações do Dia do
Trabalho em 1962, João Goulart confirmaria o compromisso assumido em 1953,
considerando “ser seu dever permanecer na mesma trincheira em que sempre
esteve, em todos os momentos de sua vida”, reafirmando ainda sua fidelidade aos
princípios de justiça social defendidos por Getúlio Vargas. Esse dever de
lealdade e de fidelidade aos trabalhadores e a Vargas estava implícito na sua
proposta de reforma. Ao optar pelo combate aos privilégios e pela iniciativa
das reformas de base, “por força das quais se promoveria a substituição das
estruturas e das instituições inadequadas”, Jango aceitava o desafio imposto
por sua coerência.
Como condutor dos destinos da Nação, João Goulart procurava, em vão,
comover os Congressistas a que sentissem os apelos da opinião pública, pois,
como pretendia agir estritamente dentro dos preceitos constitucionais,
reconhecia que as reformas de base não se fariam por decretos. As reformas
deveriam ser feitas por leis e essas leis precisariam refletir, na sua
essência, só fatos sociais. Sem contar com a maioria parlamentar, João Goulart
tentou buscar apoio nas bases populares que lhe davam sustentação política.
A fissura do sistema era evidente demais para não ser percebida. Já não
era apenas o Congresso, como alertava o líder Doutel de Andrade, que se esclerosara,
era toda a sociedade civil que se deteriorava. Caberia ao Estado reorganizar a
sociedade enferma, mas a crise o atingira, desgastando sua capacidade.
Mas nem por isso Jango haveria de recuar. Em sua última Mensagem ao
Congresso, no dia 15 de março de 1964, o Presidente da República exigia uma
reforma constitucional que viabilizasse a desapropriação das terras
improdutivas por interesse social, o voto para os analfabetos, a legalização do
Partido Comunista, a elegibilidade para os sargentos e a suspensão das
vitaliciedades da cátedra.
Justificando tais exigências, Jango lembrava aos congressistas que,
“como cidadão, ou presidente, jamais concorreria, por ação ou por omissão, para
legitimar discriminações e injustiças. Não é mais possível continuarem em vigor
normas, padrões e valores que, em nosso meio, perpetuam formas de relações de
trabalho inspiradas nos resíduos de uma concepção aristocrática e feudal da
vida e do mundo.”
As palavras de João Goulart, no entanto, ecoaram no deserto. No início
de 1964, o governo trabalhista de João Goulart contava, apenas, com a esperança
do povo, com a fidelidade dos trabalhadores e com a coragem de nossos líderes.
As reformas propostas por João Goulart ainda estão aí, sendo reclamadas
pela Nação. Por elas, Jango foi deposto de forma indigna e violenta; por elas,
ele precisou exilar-se, onde morreria, há exatamente dez anos atrás, longe dos
amigos e afastado da Pátria pela qual sacrificou a própria vida. Mesmo morto,
João Goulart não deixaria de ser perseguido pelos incansáveis inimigos do povo
brasileiro. Jango foi enterrado na sua querida São Borja, sem ter tido a
homenagem do luto oficial que a Constituição determina aos Chefes-de-Estado
desaparecidos. Uma solitária bandeira nacional chegou a ser hasteada a meio pau
em frente ao Congresso, sendo misteriosamente retirada momentos depois. No
lugar da bandeira retirada, uma outra seria colocada, por um grupo de bravas
mulheres, cobrindo o corpo de Jango com a palavra Anistia. Pela primeira vez,
desde 1964, o País desabafava um grito que dali em diante haveria de ecoar pelo
País até agosto de 1979. João Goulart precisou ser absolvido pela História e
anistiando pela morte, mas sua lembrança e a sua mensagem permanecerão para
sempre na memória dos trabalhadores.
Sua história política é a trajetória de um homem público ligado à causa
dos trabalhadores, transcendendo a sua condição de classe de um homem rico e
próspero. A ele se aplica com muita propriedade a frase do grande cientista
Pasteur: “o ideal não é uma vida confortável. A única coisa para a qual vale a
pena viver é o dom de dar aos outros”. Embora homem próspero, sua personalidade
e seu estilo eram marcados pela simplicidade do missioneiro. Sua figura
pertence à estirpe dos bravos gaúchos e brasileiros, cuja presença ficará
marcada de forma perene na alma de nosso povo, transmitindo-se de geração em
geração. Passados dez anos da morte de Jango, presta esta Casa sua homenagem
póstuma. Presente está para nós como exemplo e paradigma a figura do Presidente
João Goulart, quer como homem público, quer como homem de partido, criando o
PTB em 45, com Getúlio Vargas, Brizola e Pasqualini, dentre tantos outros
companheiros, e conduzindo o Partido como dirigente nacional, nos bons e nos
maus momentos, sempre disposto a superar os mais difíceis obstáculos e
adversidades com firmeza e sensibilidade. Não tenho a menor dúvida em afirmar
que, se vivo, estaria conosco levando à frente a luta na defesa intransigente
dos interesses nacionais e dos trabalhadores, com nosso programa e nossa
doutrina instrumentalizados na ação de nosso Partido, o PDT. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
A SRA. PRESIDENTE: Concedemos a palavra ao
Ver. Clóvis Brum.
O SR. CLÓVIS BRUM: Exma. Sra. Ver.ª Gladis
Mantelli, Presidente da presente Sessão; Dep. Estadual João Vicente Goulart;
Dr. Glênio Peres, Vice-Prefeito, representando, neste ato, o Sr. Prefeito de
Porto Alegre; meu dedicado amigo e grande companheiro Dr. Sereno Chaise,
Presidente Regional do PDT do Rio Grande do Sul; Escritora Sra. Mila Cauduro,
Secretária Geral do PDT; Ver. Isaac Ainhorn, Secretário da Casa e proponente
desta Sessão Solene; ex-Deputados Estaduais Ney Ortiz Borges, Nayro Lopes de
Almeida, Henrique Henkin; meu amigo João Carlos Guaranha, Presidente do
Diretório Metropolitano do PDT; meus amigos, meus senhores e minhas senhoras,
integrantes do PDT, amigos de João Goulart e Srs. Vereadores, tinha eu pouca
idade e chegava em Uruguaiana o Presidente João Goulart para inaugurar casas
populares construídas na Vila Ramos, naquela Cidade. Falava em nome da Câmara,
na oportunidade, meu irmão Carlos Brum, de cujo evento guardamos uma foto, e
lembramos até hoje daquela oportunidade. Naquele dia, eu assisti um discurso,
do então Dr. Gregório Irigaray Filho, hoje falecido, e senti no pronunciamento
do representante da Farsul - ex-colega de Jango no Colégio Sant’Ana, de
Uruguaiana - o início de uma caminhada quase que interminável da poderosa e bem
organizada direita neste País. Não vacilou o então representante da Farsul em
desencadear uma série de reivindicações, a título de denúncia. Mas depois
fomos, ainda menino, encontrar Jango, ao final de um longo corredor que ligava
o elevador ao seu gabinete de trabalho, já na Praia de Pocitos, onde vi pela
primeira vez o menino João Vicente. Este é o Jango que nós todos homenageamos.
Ministro do Trabalho, Vice-Presidente eleito no regime presidencialista,
empossado por um movimento extraordinário, mas no regime parlamentarista, que,
com a manifestação de toda a Nação Brasileira, quase um ano depois conseguiu
ser o Presidente do Brasil. Jango, como Ministro do Trabalho, foi a grande
força da organização dos trabalhadores neste País. O Manifesto dos Coronéis, há
pouco citado, tinha um endereço certo. Sabiam aqueles coronéis, que
representavam os interesses multinacionais ligados a poderosos grupos
nacionais, que o homem do futuro seria Jango. Jango deixava o Ministério do
Trabalho, mas a semente da organização popular estava plantada em terra fértil.
Mais tarde, Jango, já na Presidência da República, encaminhava, já nos seus
últimos dias na Presidência, não só aumentos e lutas no sentido de uma melhor
equiparação salarial para os trabalhadores, como também atingia o âmago da
questão, que era o controle da remessa de lucros do capital estrangeiro no País.
Aí foi o estopim dos interesses daqueles mesmos grupos que se aliaram e levaram
Getúlio ao suicídio. Os generais, todos aqueles coronéis, já generais, que
haviam passado pela escola norte-americana, estavam mobilizados; a voz de
comando nos quartéis era de deposição de Jango de qualquer maneira; criasse-se
o artifício que deveria ser criado, mas a deposição era realmente uma ordem do
comando. Alguns desses generais até que resistiram muito, mas, ao final,
aderiram ao movimento que levava como meta, como objetivo exterminar não só o
Partido Trabalhista como também suas lideranças. Jango deixava o Brasil com a
serenidade de um grande estadista. Não cobrava, com sua permanência, vidas
humanas; deixava o Brasil por força de um golpe militar que atrasou esta Nação
em mais de um século, mas deixava tranqüilo porque sabia que nenhum
companheiro, que nenhum brasileiro, que nenhum trabalhador que ele ajudou a se
organizar no seu tempo de Ministro, que nenhum trabalhador para que voltou seu
governo, ainda que um governo breve, tivesse seu sangue derramado. Foi a vida
de Jango uma vida que merece, nesta oportunidade, que todos os partidos
políticos, que todos os segmentos sociais deste País entendam que Jango foi um
dos maiores estadistas que este País conheceu. Não recebeu as honras de Estado
nos seus funerais, mas muitos recebem essas honras e não recebem as honras do
povo. Jango não recebeu as honras dos generais, mas recebeu as honras e o
reconhecimento do povo brasileiro que, decorridos 10 anos de sua morte, ainda
sente vivo no seu meio o estadista de todos os momentos, o grande Presidente
João Goulart.
A mensagem do PMDB, nesta oportunidade, aos companheiros de João
Goulart, aos quais eu me somo por vocação e por posição ideológica. Devo dizer
aos senhores que o PMDB é muito honrado nesta tarde em poder prestar uma
homenagem ao grande líder dos trabalhadores deste País, Presidente João
Goulart. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE (Isaac
Ainhorn):
Concedo a palavra ao Ver. Lauro Hagemann.
O SR. LAURO HAGEMANN: Sr. Presidente, Ver. Isaac
Ainhorn, no exercício da Presidência; Sr. Deputado Estadual João Vicente
Goulart; companheiro jornalista Glênio Peres, Vice-Prefeito, neste ato
representando o Dr. Alceu Collares, Prefeito Municipal; Sr.ª Mila Cauduro,
Secretária do PDT; meu prezado companheiro, Dr. Sereno Chaise, Presidente
Regional do PDT; Srs. Vereadores, Senhores ex-parlamentares; Senhores e
Senhoras, o tempo é um grande aliado da História. Na medida em que o tempo
passa as coisas vão se esclarecendo. E hoje, decorridos 10 anos da morte do
ex-Presidente João Goulart, nós temos ocasião de ver, cada vez mais com
clareza, o papel importante de Jango numa fase crucial da História brasileira.
Se vivo estivesse João Goulart hoje, assistiria melancolicamente a repetição de
fatos semelhantes aos que viveu em 1964 e que nós temos a responsabilidade de
resgatar; sobretudo, de não incorrermos nos mesmos equívocos para não
produzir-se um desfecho semelhante.
Hoje, depois de 10 anos da morte de João Goulart, é preciso que se
reflita com muita intensidade sobre a atuação política da Jango para que no
futuro não venha a sociedade brasileira a esquecer ou deixar esmaecer os
episódios nos quais Jango foi o núcleo central. Não se pode negar - e não se
tem negado - a integridade moral de Jango, mas, sobretudo, é preciso ressaltar
o seu extraordinário vínculo com as lutas populares. Jango não permanecerá,
certamente, na História deste País como mais um Presidente, porque muitos
Presidentes desta República já foram esquecidos. Jango permanecerá, na História
deste País, como um homem que entendeu os anseios da sociedade brasileira e por
esses anseios lutou, procurou correspondê-los e, por isso, pagou. Pouca gente
sabe - e a História oficial não costuma revelar essas coisas - que João Goulart
foi um excelente amigo do PCB, porque Jango entendia que não se pode dispensar
todas as correntes de opinião para que se leve adiante a consolidação da
democracia neste País e para que se produzam os resultados que a sociedade
reclama. Os comunistas entendiam Jango e com ele se entenderam, o que não
aconteceu com a elite brasileira, que não entendeu Jango. Na sua truculência,
no seu imediatismo, no seu primitivismo, que não é nada mais do que truculento
e imediato, a elite dirigente brasileira não compreendeu o propósito de Jango,
e daí todos os episódios que nós recordamos e dos quais temos notícia.
Pessoalmente, guardo, do Presidente João Goulart, carinhosas recordações. Como
dirigente incipiente da minha categoria dos radialistas, participando do
Comando Sindical do Rio Grande do Sul, tive a oportunidade de várias vezes
conversar com o Presidente João Goulart. Foi no seu governo que o Sindicato dos
Radialistas do Rio Grande do Sul obteve o reconhecimento como categoria
sindical. Foi a seu convite que integrei uma caravana de dirigentes sindicais
do nosso Estado para participar do famoso comício da Central do Brasil, 13 de
março de 1964. Foi como dirigente do Sindicato dos Radialistas do Rio Grande do
Sul que participei de uma homenagem e reconhecimento à assinatura de dois
decretos fundamentais para a nossa categoria, expedidos pelo Presidente João
Goulart. Um que estabelecia a obrigatoriedade da programação ao vivo nas
emissoras de rádio e televisão de todo o País e outro que nos reconhecia como
categoria profissional, que estabelecia a nossa regulamentação profissional.
Estes dois decretos até hoje existem, só que não foram cumpridos. Participei da
Cadeia da Legalidade em 1961, pelo respeito constitucional, pela posse do
Presidente Constitucional, o então Vice-Presidente João Goulart. E, no
tristemente famigerado episódio de 31 de março, estávamos nós, radialistas,
comunicadores, jornalistas, também integrando o núcleo da resistência
democrática. Muitos dos nossos companheiros foram penalizados por isto. Estas
lembranças, do passado de João Goulart, nos levam a refletir sobre o que
estamos vivendo hoje; as lutas pelas reformas estruturais da sociedade
brasileira continuam presentes. É preciso que nós, hoje, honremos a memória
daquele que foi um dos maiores líderes populares deste País e que não deixemos
cair no esquecimento estas lutas, antes, por elas, devemos empenhar o melhor
dos nossos esforços para que a sociedade brasileira não seja novamente traída
por aquele pequeno grupo que se adonou deste País desde o seu descobrimento e
que persiste em manter estes privilégios, contrariando a imensa vontade da
massa trabalhadora brasileira. Este é o augúrio que fazemos. Este é o
compromisso que devemos assumir para que, na transição que estamos enfrentando,
não venhamos, novamente, a desembocar num processo histórico que determine novo
retrocesso na vida deste País. Esta é a melhor homenagem que se pode prestar
hoje, nesta tarde, quando se homenageia a memória de João Goulart. Muito
obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Tenho a honra de conceder a
palavra, para um breve agradecimento, ao Dep. Estadual João Vicente Goulart.
O SR. JOÃO VICENTE GOULART: Sr. Presidente e Srs.
Vereadores, senhoras e senhores aqui presentes, gostaria, em meu nome e da
família de Jango, de agradecer a esta Casa esta iniciativa dos legítimos
representantes do povo de Porto Alegre por esta homenagem que fazem ao
Presidente João Goulart. Hoje, cumprindo-se dez anos de seu desaparecimento, é
verdade que as saudades nos apertam o coração, mas também fica em nosso nome e
daqueles que, apesar das saudades, apesar da distância que dele nos separa,
hoje continuamos a esforçar-nos para seguir o seu exemplo, e mais do que nunca
admirá-lo como brasileiro, que lá fora, longe dos seus amigos, longe da sua
Pátria, longe dos seus irmão, nunca se negou à luta pela emancipação do povo
brasileiro, e lá no exílio morreu, com essas mesmas saudades que hoje todos nós
sentimos. A todos vocês, representantes legítimos do povo de Porto Alegre, o
meu muito obrigado, em nome de minha família e do meu próprio. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Agradecemos a presença de
todos que honraram com sua estada aqui esta homenagem que a Câmara Municipal de
Porto Alegre faz por ocasião da passagem do 10º aniversário da morte do
Presidente João Goulart.
Estão levantados os trabalhos.
(Levanta-se a Sessão às 17h27min.)
Sala das Sessões do Palácio Aloísio Filho, 4 de dezembro de 1986.
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